O espectro de energia
Vimos que a energia E, dos diferentes estados do átomo de hidrogênio é dada por
Fig. 7 - Níveis de energia do átomo de hidrogênio segundo a teoria de Schrödinger.
Para cada valor de n existe um valor de En que corresponde a um dado nível de energia. O conjunto infinito de valores de n define o espectro de energia do átomo de hidrogênio. À medida que n cresce, isto é, quando n > co estes níveis de energia tornam-se cada vez mais próximos uns dos outros, tendendo a E = O. Neste ponto inicia-se o espectro contínuo ou simplesmente “o contínuo” (vide Fig. 7). Como E, não depende de £ e mp, e, como os números quânticos 2 e mp são definidos nos intervalos 0 <2<n-1,e -L<mp< R, então a cada valor de n correspondem nº estados possíveis de energia, que têm a mesma energia. Na verdade. cada conjunto de números quânticos (n, £, mp) define uma função de onda do hidrogênio; por esta razão, para cada valor den existem nº funções de ondas com a mesma energia, isto é, um dado nível E, de energia é nº vezes “degenerado”: nº é o grau de degenerescência do nível E, e a ele correspondem n* funções de ondas diferentes, uma vez que Que
A equação de Schrödinger é suficiente para explicar de uma maneira bastante satisfatória, muitos fenômenos relacionados não só com o átomo de hidrogênio, como também com outros átomos e moléculas. Porém, existem alguns aspectos do comportamento atômico e molecular que não podem ser explicados ou previstos, utilizando- se simplesmente a equação de Schrödinger.
A função de distribuição radial
O átomo de hidrogênio ocupa um certo volume no espaço; obviamente o elétron acha-se completamente contido neste volume, e como consequência disto, a probabilidade, ou melhor, a probabilidade total de encontrarmos este elétron neste dado volume é máxima, isto é, se calcularmos esta probabilidade ela deverá ser igual à unidade. Vimos que, sendo Ψnlm a função de onda que representa o comportamento do elétron do átomo de hidrogênio, então a probabilidade total de encontrarmos o elétron do hidrogênio (na região do espaço que o átomo existe) é definida como:
Na integral (153), dr representa o elemento de volume em coordenadas polares esféricas, isto é, dr = r2 sen(θ) dr dθ dφ. Muitas vezes nós representamos o elemento de volume por dv ao invés de dr. Se, ao invés da probabilidade total nós quisermos calcular a probabilidade de encontrar o elétron em uma dada região do espaço compreendida entre r e r + dr; θ e θ + dθ; e φ e φ + dφ; basta calcularmos
Esta fórmula é exatamente equivalente ao integrando da equação (153), e corresponde à probabilidade de encontrarmos o elétron no elemento de volume dr= r2 sen(θ) dr dθ dφ.
Tabela 2. Funções Reais para o elétron do átomo de hidrogênio.
Por outro lado, a probabilidade de encontrarmos um elétron numa região esférica tendo o núcleo como centro das coordenadas r e de raio externo r + dr, e independente de θ e φ, é dada por
À função {Rn,l(r)}2.r2 dá-se o nome de Função de Distribuição Radial, D(r); {Rn,l(r)}2.r2 nos dá a probabilidade de encontrar o elétron a uma distância r do núcleo.
Fig. 6. Função de distribuição radial D(r), para o átomo de hidrogênio para valores de m = 1, 2 e 3. A seta indica o valor de <r>nlm.
A função D(r) representa a probabilidade de encontrarmos o elétron à uma dada distância r do núcleo. Analisando o comportamento de D(r), para o elétron no orbital 1s, veremos que à medida que fazemos r variar de zero a ∞, D(r) que inicialmente é zero, passa por um máximo para depois decair novamente para zero. O valor de r para o qual D(r) é máxima, corresponde exatamente ao valor de r que mais contribui para o valor médio < r >. Este valor de r para o qual D(r) é máxima, corresponde ao “raio de Bohr”, que aliás difere do valor esperado < r > ou valor médio de r no estado fundamental. O ponto em que D(r) passa por um máximo pode ser calculado facilmente, pois neste ponto d / dr {D(r)} = 0. Assim, para o orbital 1s, teremos que
Isto quer dizer que a função de distribuição radial, para o H no estado 1s, passa por um máximo no ponto em que r = 0,529Ao; este valor é exatamente igual ao valor calculado por Bohr. Note que o elétron do átomo de Bohr circulava numa órbita plana de raio r = 0,529Ao, enquanto que neste caso temos simetria esférica. A diferença entre o valor médio de r e o valor de r = a0 determinado por Bohr, pode ser demonstrada facilmente. Como a função de onda para o hidrogênio é normalizada, o valor esperado ou valor médio para o raio r do átomo de hidrogênio quando está no estado fundamental (i. e., 1s), é dado por (vide postulado V).
Isto quer dizer que se determinarmos r experimentalmente, isto é, se pudermos medir o “raio” do átomo de hidrogênio no estado fundamental (orbital 1s), veremos que este valor experimental coincide com < r >= 0,793Ao e não com 0,529Ao. De uma maneira geral, o valor médio de r, isto é < r >n,l é dado por
Assim, analisando (158) nós vemos que em média quanto maior for o número quântico principal n, mais afastado do próton estará o elétron. No estado fundamental do hidrogênio (n = 1, l = 0), o elétron encontra-se em média a 3/2 a0 do núcleo, o que está de acordo com o que já havíamos calculado anteriormente.
A função de ondas do hidrogênio, Ψnlm: os orbitais.
Inicialmente nós havíamos definido Ψ como um produto das funções R, Θ e Φ. Sendo assim, fazendo uso de (68), (95) e (137), nós podemos definir a função de onda eletrônica do átomo de hidrogênio, como:
ou ainda
onde as funções Yl,m (θ,φ) são conhecidas como Harmônicos Esféricos, e definidas como
Como os conjuntos de funções {Φm}, {Θl,m} e {Rn,l} são ortogonais, então a função Ψ será também ortogonal.
Resumindo estas propriedades, teremos:
Agora que conhecemos a solução da Equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio, já estamos em condições de definir e estudar uma série de propriedades relacionadas com o mesmo. As funções de onda para o hidrogênio (ou para átomos ou íons atômicos com um único elétron) são definidas através de (138) fórmula geral para Ψnlm. Cada conjunto de n, l, m define uma função de onda, que por sua vez representa um dado estado eletrônico do átomo. Quando n é igual a um, nós dizemos que o elétron está na camada K. As camadas eletrônicas K, L, M, etc., correspondem respectivamente a n = 1,2,3 etc. As funções de onda de um único elétron são comumente chamadas de orbitais. Assim, não é correto referir-se a “orbitais de dois elétrons”. Orbitais correspondentes a l = 0, 1, 2, 3, 4, 5 etc, são conhecidos respectivamente, por orbitais s, p, d, f, g, h, etc., omitindo-se somente a letra j. Assim, a função de onda correspondente a n=2, l = 1, m = 0 é representada por Ψ2,1,0 ou simplesmente, função 2p. A designação destas letras (s, p, d, f, g, etc.) prende-se à terminologia inglesa utilizada por espectroscopistas que distinguiam linhas espectrais pelo seu aspecto, isto é, s → sharp, p → principal, d → difuse e f → fine. As outras foram sugeridas como extensão da nomenclatura, mantendo a ordem alfabética.
Na Tabela 1 nós temos as fórmulas de algumas funções de onda eletrônicas para estados estacionários do hidrogênio.
Tabela 1 - Funções de onda para o hidrogênio. Nestas equações σ = nρ / 2 = Zr/a0. Os sinais superiores e inferiores nos índices de Ψ devem corresponder respectivamente aos sinais superiores ou inferiores da parte exponencial das fórmulas. Neste caso, todos os índices positivos de Ψ correspondem a exp(imφ) e os negativos correspondem a exp(-imφ).
Figura 4 - Gráficos polares dos Harmônios Esféricos para l = 0, 1, 2 para todos os valores do índice m e para φ = 0. A linha tracejada indica o eixo z.
Através da equação (138) que define Ψnlm nós podemos notar que, com exceção dos casos em que m = 0, todas as funções hidrogênicas são complexas, isto é, possuem uma parte imaginária, não nula, Comumente, quando discutimos os problemas relacionados com estrutura atômica, molecular e ligações químicas, utilizamos funções hidrogênicas reais obtidas pela combinação linear destas funções complexas. Assim, para n = 2 e l = 1 podemos definir as funções reais Ψ2px, Ψ2py e Ψ2pz como
O fator de 1 / √2 que aparece nas definições de 2px e 2py é simplesmente uma constante de normalização que poderia ser calculada facilmente, caso nós não a tivéssemos definido de antemão. Para tal, bastaria escrevermos Ψpx, como
e calcular o produto escalar impondo a condição de que < Ψ2px | Ψ2py> = 1. Assim, lembrando que as funções Ψn,l,m. São ortonormalizadas, isto é
teremos que
Fig. 5. Formato de alguns orbitais atômicos do átomo de hidrogênio. O orbital 2s tem um modo esférico que não aparece na figura; O orbital 3s tem dois destes modos. O orbital 3p, tem um modo esférico (indicado pela linha tracejada) e um plano modal (o plano xy). O orbital 3dz2 tem dois cones modais e o 3dx2-y2 tem dois planos modais. Na figura nós indicamos os sinais relativos de cada função de onda.
Existe uma razão muito simples para a designação destas funções como 2px, 2py e 2pz. Lembrando que podemos reescrever as funções Ψ2px, Ψ2py e Ψ2pz como
Note que x, y e z aparecem respectivamente nas definições de 2px, 2py e 2pz, dando origem a esta notação. As fórmulas para algumas destas funções reais, desde 1s até 3dxy, são dadas na Tabela 2, na qual explicitamos ao lado de cada uma a sua dependência com as coordenadas cartesianas a fim de tornar mais claro o simbolismo empregado.
O número quântico principal n
A função R(r) é a solução da equação diferencial (64) e nos dá a dependência radial da função de onda do átomo de hidrogênio. Se nesta equação substituirmos a constante b pelo seu valor, então (64) pode ser reescrita como
ou então
Para resolvermos esta equação, convém efetuarmos algumas mudanças de variáveis, definindo
onde n é uma constante qualquer, a ser determinada, utilizando (99) nós podemos reescrever (98) como:
Para resolvermos a equação diferencial (100) nós utilizaremos um método diferente daqueles empregados para as equações em θ e φ. Neste caso nós iniciaremos o nosso estudo fazendo uma análise do comportamento assintótico (para valores grandes de p) da equação radial; assim, no limite do p →∞, a equação diferencial (100) reduz-se a
cujas soluções são
Considerando que um átomo é finito, então a função Rl(p) deve ser tal que
Obviamente, quando esta condição é imposta somente uma das soluções (102) irá satisfazê-la; isto é, a solução assintótica aceitável para (100), será
Esta escolha prende-se também ao fato de que a função de onda Ψ(r) precisa ser quadraticamente integrável; obviamente Rl ≅ e-ρ/2 é uma solução que não satisfaz a condição de contorno
A integral < Ψ | Ψ > = 1 deve ser interpretada como sendo a probabilidade de encontrarmos o átomo de hidrogênio contido no volume dado; “como (por definição) o átomo está contido neste dado volume, então, a probabilidade de o encontrarmos lá, é obviamente máxima, isto é, < Ψ | Ψ > = 1, uma vez que por definição, o máximo valor da probabilidade é um”. Como a função que satisfaz (100) comporta-se assintoticamente como e-ρ/2, isto nos sugere que devemos procurar uma solução geral que seja finita, na forma de um polinômio multiplicando esta exponencial, isto é
onde f(ρ) é justamente a função polinomial a ser encontrada. Substituindo (104) na equação (100), teremos
Considerando que {ρk+p}∞0 um conjunto completo, é possível então definirmos fl(ρ) como
A função f(ρ) será definida precisamente, depois de acharmos um valor para o índice ρ e os valores dos coeficientes Ak. Para tal, nós começamos calculando f'l(ρ) e f''l(ρ), simplesmente achando as derivadas da eq. (106), isto é
Usando (106), (107) e (108) na equação (105), e rearranjando os termos, nós iremos obter a seguinte série infinita
Para k = 0, o primeiro termo de mais baixa potência de ρ em (109), será
No entanto, como é necessário que tenhamos A0 ≠ 0 e que
então, a condição (111) só será satisfeita se
Os valores do índice ρ que satisfazem (113), são
Porém, fazendo uso de (106), a condição ρ = - ( l + 1 ) implica que
Esta solução não é fisicamente aceitável, (porque? lim fl (ρ→0) = 0? quando p = - ( l + 1 ), fl(ρ) é quadraticamente integrável?). Resta-nos então a solução p = l, para a qual teremos
ou ainda, utilizando a eq. (104), teremos que
Sabendo que p = l, nós podemos usar este valor na eq. (109) e obter uma série infinita de potências de ρ. Para que a soma de todos os termos desta série seja nula, é necessário que cada coeficiente de uma dada potência de ρ, seja nulo. Assim sendo, para os dois primeiros coeficientes de menor potência de ρ nós teremos:
Procedendo de forma análoga para os outros coeficientes, observaremos que todos eles obedecem à seguinte equação geral:
Analisando (118) nós observamos que se for possível conhecer A0 nós poderemos utilizar a fórmula de recorrência (120) e calcular A1, com A1, calcularemos A2 etc, até conhecermos todos os coeficientes Ak da série, para um valor qualquer de k. Porém, como a solução dada pela equação (117) deve ser finita, então a série que nela aparece deve ser finita; analisando (120) nós vemos que isto é possível desde que tenhamos
Impondo esta condição, o coeficiente do termo Ak será zero, e por conseguinte, o coeficiente Ak+1 será necessariamente nulo, assim como todos os outros coeficientes de índice ≥ k + 1, isto é, Ak+1 = Ak+3 = ... = 0.
Como k e l são números inteiros, então n será necessariamente um número inteiro. Desta forma, (117), só será uma solução da equação (97) para certos valores de k, ao qual dá-se o nome de número quântico radial, enquanto n é o número quântico total ou número quântico principal.
O número quântico principal n, não só define as possíveis funções radiais do átomo de hidrogênio, como também quantiza os valores permitidos da energia eletrônica. Isto pode ser visto através da equação (99) que define a energia eletrônica do hidrogênio, em função do número quântico principal. Fazendo uso de (99), nós então concluímos que a energia do elétron no átomo de hidrogênio, segundo a teoria de Schrödinger, é dada por
Sendo assim, nós observamos que a teoria de Schrödinger é equivalente à de Bohr, pelo menos com relação aos possíveis valores de En para o átomo de hidrogênio. Além do mais, como k e l podem ser 0, 1, 2 etc, então, analisando (121) nós vemos que n será necessariamente um número inteiro com valores n = 1, 2, 3, ... Porém, como n = l + k + 1, então para n = 1, teremos que l = k = 0; usando estes valores de l e k em (117), é possível definirmos R1,0 como
onde os índices 1 e 0 representam os valores de n = 1 e l = 0. Para n = 2 podemos ter l = 0 e k = 1, ou l = 1 e k = 0.No primeiro caso teremos que
Utilizando a equação (118) para n = 2 e l = 0 poderemos calcular A1 em função de A0, ou seja
Consequentemente, substituindo este valor de A1 em (124), teremos
Analogamente, para n = 2 e quando 2 = 1 e k = 0, nós teremos que
De uma maneira geral, procedendo de forma análoga nós podemos calcular Rn,l(ρ) para qualquer valor de n e l; note porém, que em todos os casos, Rn,l(ρ) depende de A0.
Se compararmos as diferentes funções Rn,l, nós veremos que (a não ser ρ a uma constante multiplicativa envolvendo A0) estas funções diferem muito pouco dos polinômios associados de Laguerre, L( n - l - 1 , 2l + 1 , ρ), que podem ser definidos pela seguinte fórmula geral de Rodrigues
onde m e p são números inteiros e positivos quaisquer. Consequentemente, fazendo m = n - L - 1 e p = 2l + 1, nós podemos substituir a soma que aparece em (117) pela equação (128) e definir Rn,l como
Desta forma, a constante A0 que aparece nas funções R1,0, R2,0 etc que definem Rn,l, pode ser calculada se nós normalizarmos as funções Rn,l ou então utilizando a seguinte propriedade dos polinômios associados de Laguerre:
Se nós quisermos calcular A0 normalizando as funções Rn,l então será necessário calcular a seguinte integral
Fazendo uso de (99) teremos que
onde α = 2z / na0. Fazendo uso de (99) e (132), para fazer a mudança de variáveis em (131), nós iremos obter
onde N é a constante de normalização das funções Rn,l = 2.Z/n.a0. Na resolução da integral (133) nós fizemos uso da seguinte fórmula geral
Conhecendo a constante de normalização N, nós podemos fazer uso de (129) e (134) para definir as funções Rn,l normalizadas, como:
A equação (136) pode ser reescrita em termos de r ao invés de ρ, se fizermos uso de (99); sendo assim, termos
Fig. 3. Funções de onda radiais Rn,l(r) para o átomo de hidrogênio para n = 1, 2, 3. Cada curva é designada por dois algarismos que representam os valores de n e de f. Note que para cada função existem n - f - 1 modos.