A mecânica onduladória de Schrödinger
Iniciando uma discussão sobre o átomo de hidrogênio, Schrödinger colocou o seguinte problema: que espécie de ondas de de Broglie podem existir permanentemente no campo de força em torno do núcleo? Inicialmente Schrödinger dirigiu a sua atenção para ondas estacionárias, ou vibrações. As distribuições de ondas que Schrödinger visava, constituiriam os modos de vibrações das ondas de de Broglie no campo de força nuclear. Estes modos deveriam representar os estados estáveis do . átomo. Nesta época já era conhecida a equação matemática que regia o comportamento de ondas em geral, isto é, ondas de calor, ondas do mar, ondas sonoras, etc. Esta equação geral era uma equação diferencial que já havia sido deduzida muitos anos antes por d'Alembert. Suponhamos que existe f(x,y,z,t), uma função de x, y, z e t, que para cada ponto do x, y, z do espaço e a cada instante de tempo t, ela define um estado de vibração de um movimento de uma onda. Sendo este o caso, então a função f precisa satisfazer a equação de onda de d'Alembert, isto é
pode ser escrita como:
onde as operações de derivadas são representadas pelo operador ∇, conhecido como Laplaciano. Se agora nós quisermos determinar as ondas senosoidais que podem ser formadas, então nós precisaremos assumir que f representa uma onda estacionária definida como:
onde υ é a frequência das ondas em questão. A função Ψ define a altura máxima, ou a amplitude, da vibração no ponto x, y, z. A função Ψ é desconhecida, mas se substituirmos (3) em (2) teremos
A velocidade v que aparece na eq. (4) representa a velocidade de propagação das ondas de de Broglie de frequência υ; no entanto, para derivarmos a equação de Schrödinger nós assumiremos que v representa a velocidade da onda. Esta aproximação reduz o nosso rigor sem prejudicar o nosso objetivo. As ondas que estamos considerando estão associadas com o elétron que está se movendo no campo de força gerado pelo próprio núcleo do átomo. No entanto, nós vimos que a onda de Broglie num campo de força comporta-se como uma onda propagando-se num meio de índice de refração variável n. Em cada ponto do espaço o índice de refração é determinado pelo campo de força e pela energia E do elétron com a qual a onda está associada. Neste caso, o índice de refração do meio, é definido como
onde mo é a massa do elétron em repouso e V é a energia potencial que o elétron teria no ponto x, y, z como consequência da força de atração nuclear. Note que o índice de refração pode ser definido como n = c / v onde c é a velocidade da luz no vácuo; por outro lado, a energia do elétron pode ser definida como ε = hυ. Sendo assim, é possível reescrevermos a eg. (5) como:
Agora, se nós substituímos na eq. (4) o valor de υ2 / v2 dado pela eg. (6), nós iremos obter a equação de onda de Schrödinger na forma relativística. Para simplificar, nós podemos simplesmente obter a equação não relativística de Schrödinger . Segundo a aproximação clássica a energia cinética é definida como ε = moc2 + E. Assim substituindo esta definição de ε na eq. (6) e desprezando o termo (E - V)2, então obteremos
onde E é a soma da energia cinética e potencial do elétron. Logo, vemos que E difere de ε por não incluir a energia de repouso moc2. Substituindo (7) em (4), obtemos a famosa equação de Schrödinger não relativística, isto é
ou
Esta equação de Schrödinger nos dá então o comportamento da função que representa a amplitude das ondas Ψ(x,y,z), em cada ponto x, y, z do espaço, quando a energia total do elétron no átomo for igual a E. Como E representa a soma das energias cinética mais potencial, e como V representa a energia potencial determinada pelo campo de força do núcleo, então, o termo - (h2 /2mo) ∇2 Ψ deve representar a energia cinética do elétron no átomo.
Apesar de termos derivado esta equação para o átomo de hidrogênio, ela se aplica a todos os sistemas onde as ondas estão associadas a um único elétron, movendo-se num espaço de três dimensões. No entanto, para cada sistema nós teremos uma função potencial V diferente.
Obviamente não é qualquer onda que satisfaz a equação de Schrödinger. Por exemplo, algumas considerações físicas indicam que a amplitude das vibrações não devem possuir descontinuidades de um ponto a outro no espaço, e também não podem ser infinitas. Logo, como a função Ψ representa a amplitude em cada ponto do espaço, então, nós concluímos que ela e suas derivadas (primeira e segunda) precisam ser contínuas e nunca podem ser infinitas em qualquer região do espaço ocupado pelas ondas. Sendo assim, as soluções da equação de Schrödinger precisam ser únicas, do contrário a onda seria indeterminada. A equação de Schrödinger não relativística generalizada, pode ser escrita como
A equação relativística seria dada por
Até este ponto nós tentamos mostrar como se chega à equação de Schrödinger através de uma sequência que possui uma certa lógica. No entanto teria sido possível introduzirmos os conceitos desta mecânica ondulatória simplesmente enunciando uma série de postulados fundamentais e que resumissem as principais conclusões aqui obtidas. Nós não procedemos assim para podermos derivar a equação de Schrödinger. Porém, como consequência da equação de Schrödinger , apareceram uma série de novos conceitos cujos significados evoluíram com o decorrer dos anos até ao presente. Por exemplo: se a função de onda Ψ do elétron do hidrogênio, representa o seu comportamento, como seria então possível calcularmos a distância entre o elétron e o núcleo? E a energia E do sistema? Tanto a distância como E são observáveis, isto é, podem ser medidas. No entanto, com esta nova mecânica quântica apareceu o conceito de valor médio ou valor esperado de uma observável. Estes conceitos também evoluíram. Assim, é interessante resumirmos as conclusões até aqui obtidas em termos de postulados que deverão ser considerados como “as regras do jogo”; entre estes nós enunciaremos alguns sobre os quais não falamos mas que são necessários para que possamos tirar rapidamente proveito da nova mecânica quântica.
Introdução
Nos idos de 1925, Louis de Broglie havia explicado os níveis de energia do átomo de hidrogênio preditos por Bohr, assumindo que havia uma onda associada ao elétron girando em torno do núcleo. Segundo de Broglie, estas ondas estacionárias eram estáveis se o perímetro da órbita do elétron, fosse igual a um múltiplo do comprimento da onda, isto é, se 2.π.r = n.λ. Esta condição de estabilidade nada mais era do que uma forma equivalente de se expressar a condição de quantização sugerida por Bohr. Assim sendo, os níveis de energia serão os mesmos em ambas teorias.
Entretanto era sabido, através de evidências experimentais, que a teoria de Bohr nem sempre era capaz de prever os níveis de energia corretamente. Por esta razão é fácil concluir que a teoria de de Broglie, que na sua forma original era equivalente à de Bohr, não poderia explicar corretamente os níveis de energia dos átomos, simplesmente por ser equivalente à teoria de Bohr. Considerando-se o problema desta forma, Schrödinger observou que de Broglie havia simplificado excessivamente o problema da quantização quando ele assumiu que as condições de óptica geométrica poderiam ser aplicadas ao nível atômico. Desta forma Schrödinger alimentou esperanças de poder remediar a situação; caso o problema do movimento das ondas fosse tratado rigorosamente. A seguir, nós veremos que a esperança de Schrödinger foi amplamente gratificada.
É fácil de se entender porque as condições da óptica geométrica não podiam ser válidas no interior do átomo. No tratamento de de Broglie os raios de ondas estão situados ao longo das órbitas descritas por Bohr. A curvatura destes raios pode ser explicada pela variação do índice de refração do espaço em torno do núcleo; esta variação do índice de refração seria gerada pelo campo de força nuclear. Especialmente para as órbitas mais próximas do núcleo, é necessário que a curvatura destes raios seja muito grande, o que implica que o índice de refração da região precisa variar muito em grandeza de um ponto a outro no interior do átomo. No entanto, é possível demonstrar que nestes casos a heterogeneidade na distribuição do índice de refração é grande demais para tornar possível os raios ópticos. Porém, para órbitas de maior raio as condições de raios-ópticos aumentam em aproximação e a teoria de de Broglie aproxima-se do valor correto. No entanto, mesmo assim, se quisermos tratar o problema de uma forma rigorosa, nós precisamos operar de acordo com os métodos da óptica ondulatória e não da óptica geométrica. Aliás, foi precisamente isto o que Schrödinger fez. A primeira coisa a ser notada, é que este tratamento mais refinado, que foi elaborado por Schrödinger, fez com que as órbitas bem definidas idealizadas por Bohr perdessem o seu significado preciso. Nós vimos que de Broglie havia identificado os raios de ondas com as possíveis órbitas descritas por Bohr. No entanto, em óptica ondulatória os raios não são claramente definidos e consequentemente é natural que um tratamento baseado na óptica ondulatória comunique às órbitas do elétron um certo grau de incerteza. No entanto, devido à grande complicação da óptica ondulatória, as condições de estabilidade das ondas, impostas por de Broglie, cessam de existir.
Pouco antes de Schrödinger, o físico alemão Heisenberg publicou uma forma equivalente da mecânica quântica de Schrödinger. No entanto, provavelmente por ter utilizado cálculo matricial ao invés de equações diferenciais, a formulação de Heisenberg não se tornou tão popular quanto a de Schrödinger. No entanto, apesar destas duas teorias diferirem quanto ao formalismo, as duas são formas equivalentes da nova mecânica quântica.
A seguir, nós apresentaremos o método seguido por Schrödinger e que o levou a uma mecânica quântica ondulatória ou à nova mecânica quântica.