O átomo de hidrogênio é composto de duas partículas, o elétron e o próton. Isto significa que para resolvermos a equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio, nós teremos que resolver um “problema de dois corpos”. Nestes casos, o que se faz normalmente é reduzir o problema de dois corpos a um problema de um único corpo. Vejamos como isto pode ser feito.
Considere o tratamento clássico de duas partículas de massas m1 e m2, sendo m1 a massa do elétron e m2 a massa do próton. As posições destas partículas no espaço podem ser especificadas pelos vetores r1 e r2 partindo da origem de um sistema de coordenadas cartesianas, mostrado na Fig. 1. As coordenadas das partículas 1 e 2 são, respectivamente (x1, y1, z1) e (x2, y2, z2). Entre as partículas 1 e 2 nós podemos traçar o vetor r = r1 - r2, sendo que os componentes do vetor r nós chamamos de x, y e z, definidos como:
As coordenadas x, y e z são chamadas de coordenadas relativas ou coordenadas internas (vide Fig. 2). Em seguida traça-se o vetor R da origem ao ponto C, isto é, ao centro de massa do sistema. Chamando as coordenadas do centro de massa de X, Y e Z, nós definimos o vetor R como:
Fig. 1. Posicionamento do elétron e do próton do hidrogênio, utilizando coordenadas cartesianas (x, y, z) e polares esféricas (r, o e 0).
Pela definição de centro de massa para um sistema de duas partículas, podemos então definir X, Y e Z como:
As três equações (23) são equivalentes à equação
Além desta equação nós sabemos que
Considerando as equações (24) e (25) como um conjunto de equações simultâneas em função de duas variáveis r1 e r2 nós podemos então, resolver este sistema de equações e obter:
As equações (26) e (27) representam a transformação de coordenadas de x1, y1, y2 e x2, y2, z2, para x, y, z e X, Y, Z. Agora, nós já podemos lançar mão dos Postulados da mecânica quântica para escrever o Hamiltoniano para o átomo de hidrogênio, após ter feito as devidas transformações de coordenadas. Se nós representarmos a derivada de uma função em relação ao tempo por um ponto em cima da função, então a velocidade da partícula 1 pode ser definida como:
Para aplicarmos a equação de Schrödinger ao átomo de hidrogênio nós precisamos antes de mais nada escrever o hamiltoniano para ele, isto é, nós precisamos conhecer a energia cinética do hidrogênio e a função que representa o potencial de interação entre o elétron e o próton, isto é, a função V. A energia cinética T do átomo de hidrogênio, é a soma das energias cinéticas das duas partículas, isto é:
Derivando as equações (26) e (27) em relação ao tempo e substituindo estas derivadas em (29), teremos:
Lembrando a definição de um produto escalar de dois vetores, então R'-R''=|R| e r . r = |r|2. Usando estas definições, a equação (30) pode ser reescrita como
Sendo M a massa total do sistema, isto é,
então, podemos definir a massa reduzida μ do sistema de duas partículas como
Usando (32) e (33) nós podemos reescrever (31) como
O primeiro termo em (34) é a energia cinética devido ao movimento de translação de todo o sistema de massa M, isto é, do átomo de hidrogênio. O segundo termo representa a energia cinética correspondente ao movimento interno das duas partículas (elétron e próton), que formam o hidrogênio. Note que
No início das nossas discussões nós tínhamos definido seis coordenadas x1, y1, y2 e x2, y2, z2 e consequentemente podíamos definir seis momentos lineares correspondentes:
Da mesma forma, agora nós podemos comparar (29) com (34) e utilizar as seis novas coordenadas x, y, Z, X, Y, Z para definir seis novos momentos, isto é
Sendo assim, é possível então definirmos os dois novos vetores momento como
Substituindo (36) e (37) em (34) nós obtemos
Uma vez conhecida a expressão para a energia cinética do hidrogênio, nós estamos então em condições de escrever uma expressão clássica para o Hamiltoniano (energia cinética + potencial) deste átomo. Como o potencial de interação V, entre o elétron e o próton, é puramente coulômbico, teremos que:
onde Z é o número atômico do átomo, -e2 é o produto das cargas e (x2 + y2 + z2) é a distância entre o elétron e o próton, neste novo sistema de coordenadas, onde o próton encontra-se na origem. Logo, conhecendo T e V nós podemos fazer uso de (38) e (39) para escrever H, o Hamiltoniano do sistema:
Usando os Postulados da mecânica quântica, nós podemos substituir os componentes dos momentos pelos seus respectivos operadores e obter a seguinte equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio:
Isto é possível, uma vez que o sistema é conservativo, pois o potencial não depende do tempo. Nestas equações ET é a energia total do átomo, isto é, energia cinética mais energia potencial e os símbolos x e X são usados simplesmente para representarem o conjunto de coordenadas x, y, z e X, Y, Z, respectivamente. Se agora assumirmos que a função Ψ pode ser definida como
e se substituirmos (42) em (41) iremos obter
Dividindo ambos os lados da equação pelo produto ΨΦ, teremos
Note porém que (44) é uma equação diferencial composta pela soma de duas outras independentes entre si. Assim, podemos supor que
Considerando que a energia total ET é constante, então é possível separarmos a equação diferencial (44) em duas outras:
A equação diferencial (46) é a equação de Schrödinger para uma partícula de massa M = m1 + m2 que se desloca no espaço, livre da ação de um campo de potencial (isto é Vcg = 0) ou, o que é equivalente, sob a ação de um campo de potencial constante que no caso é nulo: ela é a equação de Schrödinger para uma “partícula livre” e de massa M. Toda sua energia Ecg aparece sob a forma de energia cinética. A segunda equação diferencial, isto é, eq. (47), é a equação de Schrödinger para o elétron do átomo de hidrogênio. Este elétron teve sua massa corrigida de m, para μ = ( m1 m2 ) / M. A energia potencial V(x) é dada simplesmente pela interação coulômbica do elétron com o próton do núcleo, isto é
onde r é a distância entre o elétron e o próton e Z é número de cargas do núcleo, número atômico (no caso do hidrogênio Z=1). Neste caso, o campo de potencial dado por V(x) é isotrópico e varia simplesmente com o inverso da distância entre o elétron e o núcleo; este é um caso típico de problema de uma partícula sob a ação de um campo central. No momento nós não estamos interessados no movimento de uma partícula livre no espaço mas sim, na equação que descreve o comportamento do elétron no átomo. Por conseguinte, deixaremos a eq. (46) para ser discutida em outra ocasião e iremos concentrar a nossa atenção na eq. (47); assim, a equação que representa o elétron no átomo de hidrogênio pode ser escrita como
ou mais explicitamente
A equação (50) é comumente conhecida como a equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio (quando Z = 1), onde E é a energia eletrônica total do elétron do átomo de hidrogênio. Resolver a equação de Schrödinger significa achar uma fórmula analítica ou numérica para a função de onda. Em geral, a resolução da equação de Schrödinger é bastante difícil.
Na realidade, somente para poucos casos é que conhecemos soluções analíticas exatas para esta equação. No que diz respeito a átomos, até o presente momento, só conhecemos soluções exatas para sistemas com um único elétron como é o caso do átomo de hidrogênio; entre as moléculas, um exemplo é o íon H2+ para o qual as soluções exatas são conhecidas. Em outras palavras, somente conhecemos soluções analíticas exatas para sistemas atômicos e moleculares que possuem um único elétron. A esta altura só nos resta resolver a equação de Schrödinger para o hidrogênio, isto é, achar a função de onda ψ(x) para o hidrogênio. Como o átomo de hidrogênio tem simetria esférica então será conveniente trabalharmos com Coordenadas Polares Esféricas ao invés de Coordenadas Cartesianas. Utilizando as relações abaixo
Fig. 2. Coordenadas internas para o elétron do átomo de hidrogênio. Neste sistema o próton encontra-se na origem. A massa do próton é cerca de 1800 vezes maior do que a do elétron e por esta razão o centro de massa do sistema está muito próximo do próton.
podemos mostrar que o operador Laplaciano ∇2 neste novo sistema de coordenadas será
Representando o conjunto de coordenadas r, θ, Φ por r, nós podemos reescrever a equação de Schrödinger para o hidrogênio como
De agora em diante o nosso objetivo será achar a função Ψ(r) que satisfaz a equação diferencial (53). Para tal, nós supomos que v(r) pode ser representada por um produto de três funções, isto é
Com isto nós estamos supondo que a função R só depende de r, e que as funções Θ e Φ só dependem de θ e φ, respectivamente. Substituindo (54) em (53), teremos
Dividindo toda a equação (55) pelo produto R(r) Θ(θ) Φ(φ) e rearranjado, teremos que
Ora, como esta equação diferencial (56), na realidade é composta por três outras, isto é, uma que só depende de r, outra em θ, e outra em φ, então é conveniente desmembrá-la em três outras equações: para tal, basta multiplicarmos tudo por r2sen2θ e rearranjarmos os termos obtidos. Fazendo isto, obtemos:
Na eq. (57), r, θ e φ são variáveis independentes; porém, como o lado esquerdo desta equação depende de r e θ, e é igual a uma equação que só depende de φ, então é óbvio que esta igualdade só poderá ser satisfeita quando ambos os lados forem iguais a uma constante que por conveniência chamaremos de -m2. Matematicamente esta constante é chamada de constante de separação. Sendo assim, teremos que
Lembrando que o potencial só depende de r, nós podemos então separar a equação (58) em duas outras, isto é
e
Entretanto reescrevendo a equação (59) e procedendo de forma análoga nós iremos obter
Sendo que neste caso a constante de separação é -b. Usando (60) e (61) nós podemos dizer que todo o nosso problema de encontrar a solução da equação de Schrödinger resume-se na procura das funções R, Θ e Φ que satisfazem as equações
Uma vez resolvidas estas equações nós teremos encontrado que nada mais é do que o produto R Θ Φ e teremos, então, a função de onda que descreve o comportamento do elétron no átomo de H. Veremos também que como consequência, nós iremos encontrar três constantes que serão os números quânticos.